domingo, 20 de outubro de 2013

Da série: A nossa batalha não é carnal e sim espiritual.

 

    Eu estava sentando em um banco dos fundos de um ônibus, que por sinal estava mais pinchado que banheiro de escola, lendo um livro.
   Depois de uns dois pontos mais ou menos, uma mulher se sentou ao meu lado.
   Ela, poucos segundos depois de se acomodar no assento, começou a me olhar com demasiado interesse. Não disfarçava sua fitada.
   Eu, percebendo que a estranha me olhava, continuei a minha leitura, embora a minha concertação não estivesse mais afiada.
   Depois de alguns minutos, a mulher finamente cedeu e começou a puxar assunto comigo.
   - Ei, menino, o que você está lendo?
   No instante que a mulher abriu a boca, um cheiro de comida estragada subiu. A boca da pobre fedia a carniça, mas mesmo assim respondi sua pergunta.
   - A batalha do apocalipse - disse, ao mesmo tempo que fechava o livro e mostrava a capa.
   - Hummm sei - respondeu, balançando a cabeça. - A nossa batalha não é carnal e sim espiritual.
    Imaginem uma mulher, provavelmente com mais de trinta e cinco anos, baixa de cabelos cacheados, proferindo essas palavras de uma forma misteriosa. Ela não parecia uma religiosa. Estava mais para uma feiticeira, de filmes, que revela ao garoto uma maldição, ou aonde ele poderá encontrar a espada mística, sei lá.
   Eu, surpreso com essa colocação e pelo bafo que a mulher continuava liberando, simplesmente abri um leve sorriso, sem entender.
   - Sim - disse a boca podre, ainda balançando a cabeça em positiva - a nossa batalha não é carnal e sim espiritual. Eu mesmo não gosto de ler muito. Só leio a bíblia mesmo.
   " Ah, agora entendi " Pensei, entendo a semelhança que ela fez. O livro realmente aborda o fim do mundo, mas é muito mais ficção do que os relatos do fim dos tempos. E, mesmo assim, embora ela tenha assemelhado o livro a fatos religiosos, a forma cética como ela falava era estranha.
   - Eu mesmo, já roubei, já me droguei, já me prostitui, já me relacionei com outra mulher - " mas escovar o dente que é bom nada né" pensei. - Meu marido já roubou, estava preso. Mas tudo mudou. tudo.
   - Que bom - respondi, sem jeito, agradecendo a Deus por está usando óculos de sol na ocasião, e assim, a bafo de bosta não perceber o meu estranhamento.
    Eu não queria saber os relatos da existência da Bala de Bosta. Fiquei feliz pela progressão que ela fez em sua vida. Mas dane-se. Eu não conhecia aquela mulher. Não queria ter intimidade. Vai que ela começasse a me contar bizarrices -detalhadas- da sua juventude, o que comeu no café da manhã ou o que gostava de fazer.
   - A nossa batalha não é canal e sim... - " Espiritual, já entendi, já entendi" - espiritual... Eu vou deixar você continuar a ler o seu livro, quem sabe um dia você não resume ele pra mim.
   - Claro, pode deixar - disse, imaginando que só resumiria o livro um dia para aquela mulher se ela me garantisse que não abriria a boca nem pra respirar.


Morais da história: A nossa batalha não é carnal e sim espiritual. E, pasta de dente é bem barata.

 
 

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