quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A lição de casa


Toda vez que eu recebia alguma lição de casa para fazer eu sempre a fazia no último instante. Os professores passavam as atividades ou os trabalhos antecipadamente e marcavam para muitos dias depois a entrega. Mas sempre, sempre, as concluía nos últimos segundos. Gastava uma grande quantidade de tempo imaginando e arquitetando a lição de casa, mas não tomava a iniciativa de pegar a caneta e o papel para transpassar as ideias e só fazia isso quando não tinha mais escolhas e principalmente tempo. Fui e ainda sou um aluno exemplar, mas além da minha natural preguiça, um dos meus maiores defeitos escolares era deixar tudo para depois.
Aliás, pensando melhor, um dos meus maiores defeitos na vida, em todos os seus aspectos, é deixar tudo para depois. Simplesmente fico estagnado, deixando o tempo passar e quando finalmente não há como fugir ou quando percebo que preciso reagir, mesmo que seja tarde, começo a construir, as pressas, o meu sonho, a minha tarefa, obrigação ou responsabilidade.
Por exemplo, imagine que você precisará apresentar um trabalho para passar de ano. Esse trabalho precisará ter slides e você terá que apresentar especificamente o seu tema de pesquisa. Não sei vocês, mas eu já ficaria nervoso e apreensivo. O correto a se fazer nesse caso e conhecer melhor o assunto que irá ser discutido,  pesquisar sobre o mesmo, montar o corpo da apresentação e, por fim, memorizar o que irá se dito. Quanto mais rápido você começar a fazer sua lição de casa mais rápido você terminará, e quanto mais rápido você terminar, mais tempo você terá para ajustar os detalhes e quanto mais tempo você tiver para ajustar os detalhes, mais imperfeições serão corrigidas e assim você terá mais tranquilidade, pois saberá que o trabalho está finalizado e com antecedência.
Mas eu, claro, deixaria pra fazer no último instante. Ficaria o tempo todo pensando, tendo ótimas ideias, até me imaginaria na apresentação, falando com eloquência. Mas fazer o concreto, de colocar de fato as mãos na massa, apenas nos trinta segundos do segundo tempo. Com isso, provavelmente meu trabalho ficaria destorcido e falhoso, sem falar no arrependimento que sentiria por não ter feito antes e por não ter me dedicado verdadeiramente. É mais ou menos a história da Cigarra e da Formiga, onde eu encarnaria e encarno a primeira.
Esse exemplo que mencionei e a minha reação se aplica em vários outros, não apenas em estudantis. Quando tenho uma meta de vida, pessoal, profissional ou amorosa, sempre deixo para depois. Fico me ruminando, ajeitando os mínimos detalhes mentalmente, mas não corro atrás do papável, do real, do concreto e contar com a sorte nessas circunstâncias não é muito aconselhável. Digo isso por experiência própria.
Quando você deixa para fazer a lição de casa, literalmente ou não, para depois, você perde um precioso tempo. Não lembro o nome do autor que disse essa frase e só vou pesquisar isso depois - eu disse - mas para a genialidade é preciso apenas 1% de inspiração e 99% de transpiração.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Dicas do Pós-adolescente: Como gastar o dinheiro de uma tatuagem escrota


Tatuagem é algo que eu realmente acho muito legal. Ainda não tenho nenhuma, mas pretendo algum dia fazer várias.
Porém, essa arte tão apreciada também tem seu lado negativo.Um deles é quando se tem o azar de cair em mãos de tatuadores despreparados. Se isso já aconteceu ou se um dia acontecer com você, pode ter certeza que irão pensar que a tatto foi feita em um presídio ou que colocaram um garoto de nove anos pra desenhar.
Mas o pior erro que se pode cometer é quando decidem tatuar faces de subcelebridades. Nada contra, mas o que essas pessoas tem na cabeça? Pra que gravar na pele rostos como a do  """""""cantor""""""" Latino - espero que tenham notado as muitas aspas -, algum ex-fazendeiro ou de alguma Panicat?
Vamos supor que uma tatuagem dessa custe em torno de uns 400 reais - eu não sei o valor, estou simplesmente chutando. - Sabia que com essa quantia da pra fazer muita coisa?


                        Você pode pagar uns 26 meses de Netflix.





 
                        Você pode comprar uns 20 pares de meias.




       Você pode pagar umas três sessões com um psicólogo para esse menino que com certeza vai precisar.




      Você pode comprar 800 Danoninhos. Vai dizer que você não gosta?





      Você pode pagar pela mesa ou dar um cérebro novo  pra esse idiota.



segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Da série " Ela disse recalque?????? "


Eu estava na sala de espera do consultório do meu dentista tranquilamente. Mesmo com a consulta agendada, como de praxe, ainda não havia sido atendido.
De repente chegou uma mulher e se sentou ao meu lado. Ela devia ter quase trinta anos. Era baixa e acima do peso.
Passou alguns segundos quando o celular da recém chegada começou a tocar.
Pela batida, som e letra o toque vinha de algum funk. Não sei qual é o nome da música, mas o refrão, que tocou, era mais ou menos assim " Senta na vara, senta na vara, senta, senta, senta, senta na vara..."
A mulher atendeu o aparelho celular e começou a conversar, pelo que entendi, com alguma amiga.

ATENÇÃO. Você encontrará alguns erros ortográficos e de concordância ao longo da narrativa. Mas não pense que é porque não sei escrever. Para deixar mais nítido o vocabulário e a linguagem  que a mulher usou, precisarei ajustar na interpretação algumas palavras.

- Oi miga, pensei que você não ia mais ligar. Como tá aí na quebrada? Ta tudo certo?
 Sabe aquele tipo de mulher que fala desbocadamente? Que é cheia de trejeitos e que usa um tom de voz alto e destemido? Pois bem, essas são mais ou menos as características dessa pessoa que tive o "prazer" de ouvir.
- E como tá o Feijão? Minina, fiquei sabendo que ele foi levado em cana, junto com o Zarolho é verdade? - inicialmente pensei que ela estava se referindo a feijão que consumimos nas refeições, mas depois entendi que Feijão e Zarolho eram sutis e sugestivos apelidos. - Bando de trouxas. Nem sabem fazer a parada direito. Eu  tinha falado pra eles não levarem toda a... - ela olhou ao redor e, cautelosa, continuou -  mercadoria de uma só vez. Mas já avisei, eu não vou em cadeia visitar noinha burro. Tenho cinco fio pra cuidar, não vou gastar meu tempo com eles, tá ligada?
" Meu Deus, eu estou do lado de quem? " pensei, tentando agir naturalmente " Só espero que ela não tente  me roubar... Nossa, que preconceito esse o meu. Já estou a jugando pelo simples fato de estar escutando uma conversa. Não posso ser assim, não posso ser preconceituoso..."
-... Mas eu tinha avisado miga, eu tinha. Quando eu roubava dinheiro da minha mãe, ela nem percebia.Eu fazia o bagulho direito...
" SAI DE PERTO DE MIM!!! " Se fosse possível  medir o volume audível desse pensamento, tenho certeza que ele se igualaria a um alto e potente grito. " Se ela já roubou a mãe, imagina se ela não roubaria um estranho? E hoje em dia bandido rouba tudo, até cueca se... Caralho, logo hoje que estou  usando minha cueca nova."
- Ah, mas deixa eu te contar o último babado. Tava lá eu com o meu macho no funk... Não, já terminei com o Alemão, agora estou ficando com o Marcão, mas deixa eu te contar a história. Então, lá estava eu, bêbada e me requebrando toda  quando a Juliana, lembra dela? A Perna Torta? Então, quando essa seca veia apareceu e começou a se insinuar pra ele...Sim, ela começou a descer até o chão, começou a rebolar e até piscou pra ele.
" Ok, ok, ok, eu preciso respeitar essa escrota ridícula. Cada um vive e age da forma que achar melhor. " Eu realmente estava incomodado com os meus pensamentos e o meu prejulgamento. Não podia condenar aquela pobre mulher pelo fato dela usar uma linguagem chula, se vestir igual a uma quenga, conviver com pessoas, digamos, sem cultura e, principalmente, por gostar de funk " Tudo bem, não vou mais julgar essa mulher, não importa o que ela diga, não importa o que saia dessa boca podre e sem dentes, a respeitarei. Cada um com o seu cada um. "
"... - Minina, mas eu quis pegar ela pelo cabelo - e ela continuava a narrar sua história. - Mas o Marcão não deixou. Mas você me conhece, eu não consegui ficar quieta. Fiz um barraco, todo mundo olhou. Mas sabe o que é isso? Isso é recalque dela, a Perna torta tem recalque de mim.
" Ela disse recalque?????? " Na hora me subiu uma aversão sem limites e implacável pela mulher. " Não, não, não, isso eu não admito, não admito. Eu aceito tudo nessa vida, tudo, tudo mesmo, mas dizer recalque é foda..."
Eu não sei explicar, mas quando escuto a palavra recalque, logo imagino uma identidade, mastigando chiclete, fumando narguilé e dizendo idiotices, num cenário decadente e periférico.
 Eu sei, e pra quem não sabe, que recalque é um conceito utilizado na psicologia. Mas pela utilização desenfreada dessa palavra, pelas mais distintas e excêntricas pessoas, pra mim o conceito se tornou uma marca bizarra.
Me levantei, enquanto a mulher continuava a falar com a sua amiga " Maldita hora que esse celular tocou, maldita hora..." fui até a recepção e calmamente disse:
- Desculpa, mas seria possível remarcar a consulta com o meu dentista? Tenho... um compromisso e preciso ir agora. Preciso sair daqui o quanto antes.



Moral da história: Escolhi a imagem do texto porque Freud é foda. Menos quando diz a palavra recalque.