segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Da série " Ela disse recalque?????? "


Eu estava na sala de espera do consultório do meu dentista tranquilamente. Mesmo com a consulta agendada, como de praxe, ainda não havia sido atendido.
De repente chegou uma mulher e se sentou ao meu lado. Ela devia ter quase trinta anos. Era baixa e acima do peso.
Passou alguns segundos quando o celular da recém chegada começou a tocar.
Pela batida, som e letra o toque vinha de algum funk. Não sei qual é o nome da música, mas o refrão, que tocou, era mais ou menos assim " Senta na vara, senta na vara, senta, senta, senta, senta na vara..."
A mulher atendeu o aparelho celular e começou a conversar, pelo que entendi, com alguma amiga.

ATENÇÃO. Você encontrará alguns erros ortográficos e de concordância ao longo da narrativa. Mas não pense que é porque não sei escrever. Para deixar mais nítido o vocabulário e a linguagem  que a mulher usou, precisarei ajustar na interpretação algumas palavras.

- Oi miga, pensei que você não ia mais ligar. Como tá aí na quebrada? Ta tudo certo?
 Sabe aquele tipo de mulher que fala desbocadamente? Que é cheia de trejeitos e que usa um tom de voz alto e destemido? Pois bem, essas são mais ou menos as características dessa pessoa que tive o "prazer" de ouvir.
- E como tá o Feijão? Minina, fiquei sabendo que ele foi levado em cana, junto com o Zarolho é verdade? - inicialmente pensei que ela estava se referindo a feijão que consumimos nas refeições, mas depois entendi que Feijão e Zarolho eram sutis e sugestivos apelidos. - Bando de trouxas. Nem sabem fazer a parada direito. Eu  tinha falado pra eles não levarem toda a... - ela olhou ao redor e, cautelosa, continuou -  mercadoria de uma só vez. Mas já avisei, eu não vou em cadeia visitar noinha burro. Tenho cinco fio pra cuidar, não vou gastar meu tempo com eles, tá ligada?
" Meu Deus, eu estou do lado de quem? " pensei, tentando agir naturalmente " Só espero que ela não tente  me roubar... Nossa, que preconceito esse o meu. Já estou a jugando pelo simples fato de estar escutando uma conversa. Não posso ser assim, não posso ser preconceituoso..."
-... Mas eu tinha avisado miga, eu tinha. Quando eu roubava dinheiro da minha mãe, ela nem percebia.Eu fazia o bagulho direito...
" SAI DE PERTO DE MIM!!! " Se fosse possível  medir o volume audível desse pensamento, tenho certeza que ele se igualaria a um alto e potente grito. " Se ela já roubou a mãe, imagina se ela não roubaria um estranho? E hoje em dia bandido rouba tudo, até cueca se... Caralho, logo hoje que estou  usando minha cueca nova."
- Ah, mas deixa eu te contar o último babado. Tava lá eu com o meu macho no funk... Não, já terminei com o Alemão, agora estou ficando com o Marcão, mas deixa eu te contar a história. Então, lá estava eu, bêbada e me requebrando toda  quando a Juliana, lembra dela? A Perna Torta? Então, quando essa seca veia apareceu e começou a se insinuar pra ele...Sim, ela começou a descer até o chão, começou a rebolar e até piscou pra ele.
" Ok, ok, ok, eu preciso respeitar essa escrota ridícula. Cada um vive e age da forma que achar melhor. " Eu realmente estava incomodado com os meus pensamentos e o meu prejulgamento. Não podia condenar aquela pobre mulher pelo fato dela usar uma linguagem chula, se vestir igual a uma quenga, conviver com pessoas, digamos, sem cultura e, principalmente, por gostar de funk " Tudo bem, não vou mais julgar essa mulher, não importa o que ela diga, não importa o que saia dessa boca podre e sem dentes, a respeitarei. Cada um com o seu cada um. "
"... - Minina, mas eu quis pegar ela pelo cabelo - e ela continuava a narrar sua história. - Mas o Marcão não deixou. Mas você me conhece, eu não consegui ficar quieta. Fiz um barraco, todo mundo olhou. Mas sabe o que é isso? Isso é recalque dela, a Perna torta tem recalque de mim.
" Ela disse recalque?????? " Na hora me subiu uma aversão sem limites e implacável pela mulher. " Não, não, não, isso eu não admito, não admito. Eu aceito tudo nessa vida, tudo, tudo mesmo, mas dizer recalque é foda..."
Eu não sei explicar, mas quando escuto a palavra recalque, logo imagino uma identidade, mastigando chiclete, fumando narguilé e dizendo idiotices, num cenário decadente e periférico.
 Eu sei, e pra quem não sabe, que recalque é um conceito utilizado na psicologia. Mas pela utilização desenfreada dessa palavra, pelas mais distintas e excêntricas pessoas, pra mim o conceito se tornou uma marca bizarra.
Me levantei, enquanto a mulher continuava a falar com a sua amiga " Maldita hora que esse celular tocou, maldita hora..." fui até a recepção e calmamente disse:
- Desculpa, mas seria possível remarcar a consulta com o meu dentista? Tenho... um compromisso e preciso ir agora. Preciso sair daqui o quanto antes.



Moral da história: Escolhi a imagem do texto porque Freud é foda. Menos quando diz a palavra recalque.


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